G1
Por Anderson Viegas, G1 MS
![]() |
Em decisão sobre estátua de Manoel de Barros, juiz parodiou Drummond de Andrade com uma poesia (Foto: Chico Ribeiro/Governo de MS)
|
O juiz
da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo
Grande, David de Oliveira Gomes Filho, se inspirou no trabalho de um dos
maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade, para escrever em forma
de poesia um trecho da sentença sobre o destino da estátua que faz homenagem a
outro gênio das palavras, o também poeta Manoel de Barros.
Manoel morreu em Campo Grande em 2014. Em
2016, o governo de Mato Grosso do Sul encomendou ao artista plástico Ique
Woitschach uma estátua de bronze para homenagear o centenário de nascimento do
poeta. A escultura, de 400 quilos, e que demandou
um investimento de R$ 232 mil, foi apresentada em abril deste ano.Desde
então a data para a instalação era incerta, porque o governo queria instalar a
obra no canteiro central da avenida Afonso Pena, entre as ruas Rui Barbosa e 13
de Maio.
A secretaria municipal de Cultura e
Turismo de Campo Grande (Sectur) deu parecer favorável ao município para a
instalação na área pretendida pelo governo do estado, mas
o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul (Ihgmgs) se manifestou
contrário, porque no local existe um sítio arqueológico militar.
O Ministério Público estadual (MP-MS)
entrou então, na sexta-feira, dia 1º de setembro, com uma ação para impedir a
instalação da estátua. Alegou que a área pretendida é tombada pelo patrimônio
histórico e cultural da cidade e que para qualquer intervenção no canteiro da
avenida seria necessária a aprovação da Sectur e também do Ihgmgs.
“Tomei conhecimento da ação na sexta-feira
à noite. Fui para casa pensando no que ia fazer. No sábado dei uma olhada no
processo pelo sistema e ficava pensando no que ia fazer, em qual seria minha
decisão. A questão, quem estava sendo homenageado, o Manoel de Barros, a
poesia, isso acabou me remetendo ao trabalho de outro poeta, o Drummond [Carlos
Drummond de Andrade] e a uma de suas obras, 'José', em que ele pergunta logo no
primeiro verso: 'E agora José?' Daí para o: 'E agora, Mané?', foi um pulo. Eu
só tinha feito poesia uma vez na minha vida, há 15 anos, para minha esposa e
depois nunca mais, mas pensei que podia fazer assim”, diz o juiz.
A
base de concreto está sem estátua,
o Mané sem homenagem,
o sítio arqueológico militar sem respeito,
o homem sem reflexão,
a mulher sem compreensão,
e a noite esfriou,
o dia não veio,
não veio a utopia,
e tudo parou,
e tudo esperou,
e tudo judicializou,
e agora, Mané?
o Mané sem homenagem,
o sítio arqueológico militar sem respeito,
o homem sem reflexão,
a mulher sem compreensão,
e a noite esfriou,
o dia não veio,
não veio a utopia,
e tudo parou,
e tudo esperou,
e tudo judicializou,
e agora, Mané?
E
agora, Mané?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
sua simplicidade – e agora?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
sua simplicidade – e agora?
Com
a caneta na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer atirar no mar,
mas o mar secou;
quer ir para casa,
casa não há mais.
Juiz, e agora?
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer atirar no mar,
mas o mar secou;
quer ir para casa,
casa não há mais.
Juiz, e agora?
Se
você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você abandonasse...
mas você não desiste,
você enfrenta, juiz!
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você abandonasse...
mas você não desiste,
você enfrenta, juiz!
Sozinho
no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você decide, juiz!
Juiz, para onde?
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você decide, juiz!
Juiz, para onde?
Em outro trecho da sentença, o juiz
determina que a área inicialmente preparada para receber a estátua seja
recomposta, e que em um prazo de 60 dias, seja determinado em comum acordo com
a Sectur e o Ihgmgs, um novo local para a instalação da escultura. Estabelece
ainda que no caso de descumprimento será aplicada multa de R$ 100 mil em favor
do Fundo Municipal de Meio Ambiente.
Com a decisão o juiz espera que seja
resolvido o mais rapidamente possível o imbróglio envolvendo a homenagem ao
poeta. “Ele teve uma vida tão tranquila, tão correta, que acho que o único
processo que teve na vida dele é esse, justamente no que seria uma homenagem”,
concluiu o juiz.
Coincidentemente, o poeta que o juiz
parodiou na sentença sobre a escultura de Manoel de Barros, Carlos Drummond de
Andrade tem sua própria estátua, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro,
envolvida em várias polêmicas, pela constante depredação que sofre e pelos
altos custos que demanda para sua reparação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua opinião