TRATADO
GERAL DO ÓDIO
“Enquanto
engomo a calça, vou lhe contar” os tempos lá fora são de ódio, como nunca
vistos. No rádio, a canção é irascível; na novela das 9h da noite, o
ressentimento e a ira permeiam a trama. A mãe é amante do próprio genro, renega
os filhos e cuidou para que o marido fosse assassinado, o país se acusa, uma
parte de golpista e outra de ladravaz. A morte de uma celebridade política é
comemorada, como se fora um gol. Um Estado despoliciado fica á mercê de vândalos
que roubam, saqueiam e pilham o comércio amedrontado, como se a ocasião fizesse
o ladrão e não, o contrário. “O que será que será?”
O ódio não é
o avesso do amor. É sua negação. Porque é a soma de muitos sentimentos
subterrâneos, como a inveja, a cobiça e a frustração. O contrário do amor é o
desamor.
O ódio mata,
mesmo que o algoz ame a vítima.
O ódio
viceja como erva daninha, se alimenta com o que o homem tem de pior e fere o
semelhante, que se contamina e o reproduz em escala ainda maior. O ódio é um
monstro que se retro-alimenta e rasteja sob o sol.
Ele existe
desde sempre, suas digitais estão na Bíblia, nos livros sacros de todas as
religiões, de tal forma que é possível afirmar que Deus que tudo criou, não
extinguiu o ódio porque já o encontrou. O ódio vem de antes de Deus. O ódio dos
choques das placas tectônicas; do deserto inclemente, o ódio dos inconfidentes,
dos doutores da lei contra o Nazareno, o ódio monumental dos coliseus de antes
e da era moderna. O ódio da caverna e da mansão.
Ele está na
mão covarde de Caim, na dominação dos povos, na devastação das florestas, na
morte indiscriminada dos índios, nos navios negreiros que trouxeram o africano
cativo; ele tremula, inútil, nas bandeiras; avança nas fronteiras, nas cercas
de arame farpado e se espalha como uma praga entre homens separados por muros,
credos, ideologias e falsas convicções.
O ódio com
causa acha que se justifica.
O ódio dos
holocaustos, dos terroristas do boko haram, do estado islâmico, da al qaeda, o
ódio de Israel e da Palestina, o ódio da Casa Branca, o ódio dos imigrantes, o
ódio dos bandeirantes de antes e de agora também. O ódio das cruzadas, dos
templários, os soldados conquistadores de Deus
O ódio não
tem limites, não respeita nada. Estuma cristãos contra cristãos, rodeia todas
as religiões e mata em nome de Deus.
São iguais
os ódios policial e bandido; capitão do mato e foragido; do bedel e do
prisioneiro; do mar bravio e do timoneiro, da vaga que vira o navio impunemente
e se espalha mansa na praia depois de promover a tragédia.
O ódio é
igual no destinatário e no hospedeiro.
O ódio da
seca nos sertões, das volantes no cangaço, dos órfãos de Lampião; o ódio da
faca na mão do sicário; da ousadia do canalha. O ódio da navalha que erra a
barba e decepa a jugular.
O ódio
contido das mulheres subjugadas por seus donos, que por falta de amor, preferem
o estupro ao carinho; a bofetada, à delicadeza. O ódio da realeza e o ódio
sufocado da plebe rude. O ódio e sua infinitude.
O ódio
animalesco aos homossexuais e a falange “dos anormais”.
Mas, sobre
todos, o mais terrível é o ódio social, capaz de mover multidões e, como o
exército de Átila, levar aos trambolhos, tudo que se postar à sua frente. A
sociedade brasileira, historicamente, dominada por elites pérfidas, se descobre
atendida, em parte, em cada cortejo de empresários da cobertura do PIB do país
e políticos, até ontem, poderosos, levados, de cabeça raspada para os presídios,
em espetáculos de mídia. É a nossa versão da guilhotina. O ódio de Estado, dos
Poderes, o ódio institucional.
Mas há, e
tem que haver, um limite, uma fronteira ética e moral, sem o que, o que era
para ser a imprescindível Justiça, se transforme em, irreprimível, vingança
cega.
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