segunda-feira, junho 27, 2011

A CELEBRAÇÃO DO FOGO


A propósito da ação do Ministério Público Federal, que tem flagrado, reiteradamente, trabalho escravo no corte da cana, em Campos e, sobretudo, em protesto pela inimaginável “celebração do fogo” promovida em praça pública pelos vetustos segmentos produtivos da cidade, que defendem as queimadas até 2024, achei conveniente postar essa poesia escrita em 1989.

PRIMEIRA ESTAÇÃO

Meio mar,
O canavial clareia sob a manhã nascida.
Ali o tempo não anda,
Não aboliram a escravatura,
Não proclamaram a República.
Imperial, a plantação atravessa o século,
Impunemente.

SEGUNDA ESTAÇÃO

Eles formam duas fileiras
Na carroceria do caminhão.
Vão ombro a ombro
E vistos assim, mansos cordeiros de Deus,
Nem parecem ser os que sustentam
A Usina e seus domínios,
A mesa farta, baronal
Da casa grande.

TERCEIRA ESTAÇÃO

São homens e mulheres como nós:
Carne,
Ossos
E sonhos.
Diferem, apenas, na força.
Aprenderam com a fome
Que a vida tem seus protegidos
E que o resto é luta.
Como milagreiros
Transformam cana em açúcar,
Longe do lucro
E da lei.

QUARTA ESTAÇÃO

As mulheres do canavial
Tem o olhar limpo
Como a luz do dia.
Algumas trazem atrás de si
Seus anjos encardidos.
São todas fortes e férteis
Como a terra.
Acreditam na grande colheita da Justiça, um dia.
Enquanto isso
Lavram o sonho.

QUINTA ESTAÇÃO

Os homens esperam o milagre dos pães
E dos peixes que demora tanto.
Conhecem a comida fria
Defendida dia a dia à catana e facão.
O que não foi possível ainda
É saciar a sua imensa
Sede de Justiça.

SEXTA ESTAÇÃO

O fogo arma sua tenda incandescente
Sobre o canavial.
Pardais assustados
Flecham no horizonte vermelho.
A tarde arde na planície.
Subterrânea, a soca resiste
E promete vingar-se.
Fará erguer do chão de cinzas
O facho verde
Da vida.

FernandoLeiteFernandes

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