O português José Régio, viveu nas primeiras décadas do século XX. Era um desses argonautas, um visionário romântico, um poeta – essa gente indispensável, mas nem sempre reconhecida. (Que seria da vida sem a poesia!)
Régio é autor de textos antológicos, mas um, entre outros que produziu, tem o condão da perenidade. Serve sempre em todos os lugares e em qualquer tempo. É um postulado contra a submissão.
Ocorreu-me, modestamente, sugeri-lo como leitura aos que não o conhecem ainda. É quase um texto bíblico, nessa travessia de deserto, que experimentamos. Ei-lo:
Cântico Negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí
Fernando,
ResponderExcluirSó para registro: nosso amigo Hélio Coelho, uma das melhores cabeças pensantes da terrinha, adora este poema e o recita (recitava) em locais onde o público suportava o látego de sua língua e podia compreender a grandeza da poesia.
Avelino Ferreira
Não sei se você vai aceitar meu comentário, mas como o seu título é "Vem por aqui" resolvi fazer não como o poema, que vai justamente para o caminho outro. Resolvi não seguir o outro lado, mas o lado chamado.
ResponderExcluirSer submisso não é assim tão ruim, afinal muitos para não darem o braço a torcer e parecerem rebeldes e insubmissos escolhem caminhos que dão em "nada". Mas isso é também uma "escolha". É uma submissão ao nada, ao acaso, não importa onde dê o "Vem por aqui" ou "Nâo vem por aqui".
Esquerdistas parecem que tem medo de não ser insubmissos, como se submisso fosse alguém sem gosto, sem gestos próprios e sem vontades. O Submisso pode muito bem saber onde chegar e muitas vezes chegar onde quer indo de encontro aqueles que dizem: "Vem por aqui."
Taí, Leite, você é um dos que eu gostaria de sentar e conversar olhando nos olhos.Mas, acho que sua "insubmissão" não aceitaria uma "sob a missão de um Amor do Deus Misericordioso".
Sem essa de filhos de Deus e diabo. Isso é impossível, e por isso digo, que este texto não é nada parecido com bíblico. Bíblico é tudo o que mostra justamente o antagonismo bem e mal sim. Você quer mal? Fala a verdade: Você quer o mal para você e seus filhos e os seus queridos? Ou para você o "mal é bem" e tanto faz? Fala a verdade, Leite, você deseja "um mal dia" para as pessoas? Você deseja "um infeliz momento" para o próximo? Você só desejaria isso se fosse alguém sem jardim, sem canteiro, sem pátria, sem teto, que vive num vendaval, como um átomo que se animou, que não sabe por onde vai, não sabe para onde vai, e que sabe que não vai por aí.
E se fosse, não poderia colocar isso no seu programa de governo, pois ninguém gosta de ser levado para onde não sabe onde... pois pode dar no buraco de nada.
E nada... só mesmo com Jesus, que do "nada" pode transformar em "tudo". Já vi isto muitoooo! Creia você ou não.
Mas um "deus" que se mistura ao "diabo", não pode querer Jesus.. E aí...
Hum... acho que nasceu uma postagem.
Ah, só estou aqui porque você começou: "Vem por aqui". E como sou submissa...
Acho que vou levar essa para o meu blog...
Uma Boa postagem.
Te quero bem , Leite!
Acorda! Você só precisa acordar!
Vai postar meu comentário?
Um abraço, Rosângela
Obrigada, Leite, por Postar.
ResponderExcluirAinda sentaremos e conversaremos.
Um abraço,
Rosângela