segunda-feira, maio 14, 2018

ENTREVISTA COM SYLVIA PAES

Terceira Via





Entrevista: Sylvia Paes, ela conhece a história com H

Uma defensora das datas, do folclore, dos personagens, do paisagismo e principalmente do patrimônio arquitetônico

CAMPOS 
POR OCINEI TRINDADE
 
14 DE MAIO DE 2018 - 0h01
Possui graduação em História pela Faculdade de Filosofia de Campos (1978) e mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela Universidade Cândido Mendes (2006). Atualmente é professora da Universidade Salgado de Oliveira, nas modalidades EaD e presencial. Sócia-diretora da Academia Campista de Letras, membro do Conselho Municipal de Cultura, conselheira da Fundação Norte Fluminense de Desenvolvimento Regional, só- cia-fundadora e atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes. Autora de livros infantis com foco no patrimônio cultural. Atualmente tem desenvolvido trabalhos com Educação Patrimonial.
Se você fosse resumir o significado da História e o papel dos historiadores no Brasil e no mundo, como definiria?
O historiador é o pesquisador que acaba revelando verdades que ninguém quer ouvir para não destruir a zona de conforto de conceitos estabelecidos.
A internet ajudou a produzir histórias para a História? Como lida com a velocidade da informação hoje em dia?
Sim, a internet escreve a atual história da humanidade, é o nosso tempo, o aqui e o agora. A velocidade da informação muitas vezes espanta, mas o que mais me espanta é a velocidade da desinformação, ou da “informação” trucada, que acaba pulverizando ruídos.
Sobre Campos, como é pesquisar sua história e como consultar as fontes de pesquisa? Quais são as suas fontes? Como você trabalha?
A nossa história é muito rica e ainda há muito a ser trabalhado. Os cursos de humanas nas nossas universidades tem dado um tratamento especial a essas fontes e nos revelado histórias incríveis.
Campos ao contrário de outros municípios não queimou sua documentação referente ao período da escravidão, por exemplo, não seguiu a cabeça do Rui Barbosa, e por essa razão temos muitos documentos preservados no nosso Arquivo Público Municipal cuja equipe faz um trabalho primoroso.
A Câmara Municipal, gestão de Dr. Edson em parceria com o APM, iniciou um trabalho de recuperação das primeiras atas do nosso legislativo para serem disponibilizadas na internet felicitando a busca e a pesquisa.
Adoro ter a minha disposição inúmeras bibliotecas e é nela que busco informações, além da minha própria biblioteca que é ínfima perto da de tio Welligton, também tiro dúvidas com a equipe do APM.
Afinal, Campos tem quantas datas de aniversário? Qual a melhor para adequá-la: 28 de março de 1835 ou 29 de maio de 1677? E por quê?
Não são tantas datas assim. Uma é de fundação da Villa de São Salvador dos Campos – 29 de maio de 1677 e outra de elevação à categoria de cidade – 28 de março de 1835. Uma é data de nascimento e a outra de maior idade para melhor entendimento. Penso que todas duas devem ser celebradas (trazidas à lembrança) uma vez que são dois momentos distintos de nossa trajetória histórica.
A idade de Campos está sendo revista por parte de alguns movimentos de historiadores, pesquisadores e jornalistas? Qual a sua opinião sobre o início da história?
O historiador trabalha com fontes, sejam elas orais, escritas, iconográficas, mas é preciso que essas fontes dialoguem e que sejam incontestáveis. Sendo assim as fontes mais precisas são as da fundação da Villa por Salvador Correa de Sá e Benevides e a de elevação à categoria de cidade, as demais datas e fontes são frágeis, mas claro são ótimas para promover o debate profícuo de conhecimento histórico.
Como você avalia o interesse das pessoas pelo passado e pela história do país e da cidade onde vive? Como está Campos na História?
A cada documento revelado, uma nova interpretação pode ser feita, e mais um ponto do enorme quebra-cabeça é colocado à luz.
Nossa história econômica, desde os primeiros anos de colonização do Brasil, sempre nos colocou em destaque na historiografia nacional – o gado, a indústria açucareira e a de extração do petróleo. Sendo assim a nossa história refletiu todos os momentos da história mundial e nacional, mas ainda há muito a ser revelado.
Você tem na sua família alguns vultos históricos, como o seu pai Wilson Paes, ex-prefeito e o seu tio Wellington Paes, médico, imortal da ACL e um colecionador de jornais e revistas. Fale um pouco deles e de sua ligação com esse lado da história pessoal que se mistura à da cidade.
Minha a avó Nini é a grande “culpada” de tudo isso.
Em homenagem a ela minha segunda filha se chama Anna. Uma senhora baixinha, da roça (Murundu) que só tinha até a terceira série primária, mas que gostava de ler os clássicos nacionais e que lia muito para seus netos. O gosto da minha avó pela leitura e pela contação de histórias da família inclusive incentivou todos nós, meu pai, meu tio e a mim. Meu pai dizia que só quem pode avaliar nossos feitos são os outros, isso é sábio, então deixo aos outros essa tarefa. Mas sem dúvida, o fazer bibliófilo do meu tio é uma importante contribuição para nós, na medida que ele não só coleciona, e muito organizadamente, revistas, jornais, folheteria e livros, mas também os disponibiliza à pesquisadores.
Você frequenta muito a biblioteca de seu tio, Wellington? Como é essa rotina? Como poderia abrir mão dessa preciosidade?
Frequentemente ligo para Tio Welligton e deixo com ele a tarefa de localizar a resposta que necessito, muitas vezes para colegas. Depois repasso a informação construindo a ponte, ou eu mesma vou até lá e bebo na fonte (além da cerveja gelada compartilhada). No momento estou aqui pesquisando sobre cantigas de roda e brincadeiras para a construção do último livro infanto-juvenil da Coleção Tô Chegando, que deverá abordar esse assunto. A obra pesquisada é da Ana Augusta Rodrigues, folclorista que recolheu esses cantares e brincares em Campos e São João da Barra – ela morou na Usina de Barcelos, onde seu marido ocupava importe cargo.
Como avalia a situação dos arquivos públicos e bibliotecas públicas de Campos, como o Arquivo Municipal em Tocos e o Palácio da Cultura desativado?
O Arquivo Público Municipal viu poucos momentos de fartura seja em material humano ou de uso para elaboração do seu importantíssimo trabalho. Mas a equipe, embora pequena e com poucos recursos, continua garimpando preciosidades e disponibilizando o material.
Já a Biblioteca Municipal, que homenageia o maior estadista que já tivemos na história local e nacional, que foi o Nilo Peçanha, vive um momento de caos. Ou melhor, vivemos um momento de caos sem ela. Muitos podem até dizer que ela não faz falta porque hoje ninguém mais lê … Eu diria que isso não é uma verdade. Primeiro porque a BMNP não abrigava apenas livros material, mas também os virtuais colocando um conjunto de computadores e rede de internet a disposição de um número enorme de pessoas além de orientar as consultas de estudantes. Digo até que passamos por uma mudança na forma da leitura, assim como aconteceu quando deixamos de ler tábuas de argila para ler pergaminhos, e desses para ler livros, e agora para ler virtualmente muitas outras formas de texto.
A História se preocupa mais com o passado, com o presente ou com o futuro? Como lidar com essas narrativas que servem para nortear e identificar uma cultura ou uma sociedade?
A história se preocupa em contar a história sem julgamentos, apenas expor as verdades, que são muitas, dependendo do objeto estudado ou exposto. Presente, passado e futuro são abstrações do tempo para nossa orientação. Eu diria que a abstração temporal é a mais difícil de absorvermos. A abstração de quantidade pode ser visualizada em números, a de espaço pode ser visualizada em plantas e mapas, mas a temporal embora visualizadas em números (2018) ou (11:03) ela pode ser facilmente identificada, mas não quantificada, nem Einstein conseguiu entender muito bem o tempo e essa foi uma das suas frustações. A história de longa duração e a história de curta duração trabalhada pelo LeGofe, nos dá um melhor sentido para a construção da história da humanidade no local ou no global.
A sociedade, a política, a economia e as artes ajudam a contar a História de um povo. Como Campos está escrevendo sua história neste momento ou nos últimos tempos?
O campista é tisgo, cabrunco e lamparão, tudo isso junto e misturado nos dá uma característica ímpar no território. Um viajante do século XIX nos identificou como rudes, com muito dinheiro as sem civilidade, sem hábitos civilizados das cidades grandes e ricas, e somos habitantes de uma cidade grande e rica. Mas somos assim estranhos. E na nossa estranheza social, fomos e somos capazes de construções fantásticas nas artes e na política. A economia desenvolvida no território é claro alavancou a construção do ecletismo, por exemplo, revelado em nossa arquitetura. Em qualquer setor das artes temos campistas de destaque nacional e internacional – artes Plásticas, música erudita ou popular, não vou cometer a insanidade de citar, pois não caberia na limitação solicitada nessa entrevista. Cabe uma matéria a parte.
O interesse pela preservação e pela valorização da História começa nas escolas, em casa, nos governos? Como estimulá-las em tempos de internet?
Atualmente sou bolsista de universidade aberta no grupo de pesquisa Oficina, orientado pela professora Simonne Teixeira – UENF/CCH/LEEA e lá vimos desenvolvendo trabalho sobre educação patrimonial ambiental, onde além do estudo e reflexão, organizamos cursos palestra e material didático pedagógico. Nós entendemos que a preservação e a valorização da história e do patrimônio só acontece se o sujeito entende que o patrimônio lhe pertence. Então se nos governos e as famílias tivermos sujeitos conscientes de sue empoderamento e pertencimento de todo essa riqueza patrimonial ambiental, então teremos uma história e um patrimônio preservados, valorizado e, conservados, para legarmos orgulhosamente as gerações futuras.
Você é autora de algumas obras literárias. O que prefere? Realidade ou ficção? Fale de seus livros.
Sem dúvida são obas de ficção, mas baseadas em sólidas pesquisas. Escrever para os pequenos é uma tarefa que pode parece fácil, mas não é. Quando escrevemos para iguais a tudo momento somos contestadas ou confrontadas, mas quando escrevemos para os pequenos eles tomam o que colocamos no papel como verdades incontestáveis, então a nossa preocupação e responsabilidade cresce.
A pesquisa tem que ser tão séria e profunda como se fosse para os grandes, mas muito cuidadosamente colocadas para eles. Contamos também com o trabalho do nosso ilustrador Alício Gomes e de nossas revisoras Simonne Teixeira, Arlete Sendra e Edda Moreira.
A Coleção “Tô Chegando” é composta d seis livros, todos com abordagem do patrimônio cultural ambiental – O Ururau Pançudo fala da lenda do Ururau da Lapa e para ela lemos Osório Peixoto e Sisneiros; Indiozinho Crascá – trás o nosso indígena Goitacá e a mata de restinga seu habitat junto ao mar, para esse buscamos uma pesquisa realizada pela Officina com leitura de mais de vinte viajantes e memorialistas sobre os indígenas da nossa região; Rainha Ray’a fala da tradição dos nossos doces e da Mulata Teixara nele buscamos internet, e um trabalho de pós-graduação do Ives Duque (IFF) especialmente sobre o chuvisco; Chiquinha Faceira que rememora a nossa dança da Mana Chica, a mana Chica do Caboio, foi pesquisada em Orávio Soares e Alberto Lamego.
O próximo será o Mistério do Jongo que pretendemos lançar na X Bienal do Livro de Campos, trás a dança de origem africana e nossa Noinha como jongueira já patrimonializada. Mas antes desse lançamos ainda esse mês de maio A História do Livro, que não faz parte da coleção e que trás a história da escrita até os e-books.
Como historiadora, arrisca um palpite de como estaremos daqui a 100, 200, 500 anos? O que o passado pode nos ensinar para encarar o futuro?
Eu não!!!!! A história não é previsível, mas o homem o é, então podemos dizer que continuaremos construindo coisas boas e más, coisas que agradam e desagradam, transformando o patrimônio recebido e legando algo mais as gerações futuras, tecendo e bordando conhecimentos, histórias, saberes, com cores fortes ou esmaecidas, mas sempre construindo.
Para você, a História se repete entre as civilizações com altos e baixos, abundância e declínio? Devemos ser otimistas ou pessimistas diante dos fatos atuais?
A história não se repete exatamente, ela pode parece igual uma vez que a humanidade não muda em sua essência, continuamos em nossa humanidade a ser amorosos, traidores, corruptos, companheiros, assassinos, irmãos… mas a tecnologia está sempre mudando e dando novas caras ao nosso “ser” humano. Nós temos historicamente falando, mais de 12 mil anos de história, e podemos continuar por um tempo ainda maior com momento de ais consciência humanitária e outros de mais guerras e atrocidades. Gosto muito do Lulu Santos e a letra da sua música “Como uma onda no mar” e em outra ela fala … e assim caminha a humanidade com passos de formiga e sem vontade …

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