Carlos José Marques, Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco
Edição 02.06.2017 - nº 2477
Edição 02.06.2017 - nº 2477
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“Presidente,
estamos gravando, ok?”. Em reação à primeira pergunta formulada pela reportagem
de ISTOÉ na manhã de quinta-feira 1, no gabinete presidencial, o presidente da
República, Michel Temer, respirou fundo, fitou os quatro gravadores ligados ao
seu lado e sapecou: “Mas gravando às vistas, né? Não como o outro lá”. E riu. A
brincadeira do peemedebista guarda relação, obviamente, com a gravação
clandestina realizada pelo empresário Joesley Batista, da J&F, responsável
por mergulhar o governo na mais aguda crise desde a posse. Escaldado, o
presidente mandou instalar em seu gabinete aparelhos capazes de identificar
grampos indesejados. “Se tivéssemos esse detector aqui hoje, teríamos que
desligá-lo porque ele começa a apitar”.
Na entrevista à ISTOÉ, Temer fez outras
revelações. O presidente admitiu que poderá trocar o comando da Polícia
Federal, mas garantiu que a Lava Jato não sofrerá interferências. Disse ter o
direito de supor estar sendo vítima de um complô para derrubá-lo, mas afirmou
ter o apoio do Congresso Nacional. Reconheceu que falhou ao receber pessoas
fora da agenda, mas que não se arrepende de nada do que fez no exercício da
Presidência. Sobre aquele que representa hoje a maior ameaça a ele, o
ex-assessor Rocha Loures, flagrado com uma mala de R$ 500 mil, Temer demonstrou
uma inquietante tranqüilidade. “Duvido que o Rocha Loures vá me denunciar”.
Por que o senhor quer ficar no
cargo de presidente da República?
Em primeiro lugar, para defender-me
no aspecto moral. Tenho extraordinário orgulho de exercer o cargo de presidente
da República. Mas não é só por exercê-lo. É por exercê-lo transformando o
Brasil. Em um ano, conseguimos fazer aquilo que vários governos anteriores não
conseguiram. Quem tem interesse eleitoral não praticaria essas medidas. Por
outro ângulo, eu tenho necessidade de revelar a minha moral hígida e intacta
porque, convenhamos, esse noticiário todo preocupa as pessoas, amigos meus,
gente que me conhece, família, não é? “Puxa, será que o Temer fez isso?”.
Coloca em dúvida. Não quero que fique em dúvida. Por isso, o aspecto moral é
que me mantém, é um dos meus principais suportes para me manter aqui. Por isso
não renuncio. Vou aguardar com muita tranquilidade a decisão do processo
eleitoral.
Não estou perdendo
apoio. O que eu vejo é muito achismo que o governo paralisou
O que se comenta é que a
Procuradoria-Geral da República deve denunciar o senhor…
Veja que coisa grave o que você está
dizendo. O inquérito não tem absolutamente nada ainda. Não tem perícia, não tem
interrogatório e você já sabe que ele vai denunciar.
Se a Procuradoria da República
oferecer a denúncia, a Câmara precisa aprová-la por dois terços dos votos. Caso
isso aconteça, o senhor ficaria até 180 dias afastado da Presidência.
É mais uma frente, mas vamos esperar
que ela chegue, né? Não posso fazer nenhum comentário agora.
Se o senhor perder o apoio do
PSDB e da base, mesmo assim, pretende ficar no cargo?
Vou esperar perder o apoio primeiro,
né, para depois examinar. Não estou perdendo o apoio. O que eu vejo é muito
achismo. E achismo no sentido de que o governo paralisou, o País não vai para
frente. Meu Deus do céu, na semana seguinte, a Reforma Trabalhista foi lida,
com todos aqueles acidentes, no Senado Federal. Foi discutida. Está tendo
sequência. Na semana passada, houve um fato inusitado legislativamente. Foram
aprovadas sete medidas provisórias. É interessante, o Brasil ganhou até
mais agilidade.
Mas o PSDB, um aliado de peso,
e alguns partidos do centrão, ameaçam, sim, sair. Isso não pode afetar a
governabilidade?
O Congresso continua a legislar.
Então vamos ver lá para frente. Por que é que eu vou dizer “ah, tenho que sair
porque o Congresso está legislando demais, porque estou tomando muitas medidas
administrativas”? Não tenho que me preocupar com o que vai acontecer no
futuro. O futuro vai dizer.
Em que a situação da
ex-presidente Dilma Rousseff, às vésperas do impeachment, difere da sua?
No impeachment da ex-presidente havia
milhões de pessoas nas ruas. Esse é um ponto importante, não é? Segundo ponto:
não havia mais apoio do Congresso Nacional. No meu caso, não. O Congresso está
comigo. A oposição que se faz não é quanto ao conteúdo das reformas, mas uma
oposição política. A situação é completamente diferente.
“Foi uma falha eu ter recebido pessoas fora da agenda” (Crédito:Caio
Guatelli)
O senhor acha que há um complô
de forças para tentar tirá-lo da Presidência?
Olha, fica difícil dizer, mas não
fica difícil supor. É interessante como há uma conjunção de urdidura. Houve um
esquema preparado para chegar a isso e de que maneira? Do tipo: traga alguém
graúdo para poder valer a delação. Então o sujeito sai de gravadorzinho na mão
procurando quem é que ele vai gravar e depois há todo um processo. Você veja:
há um inquérito, que não se quer inquirir, em que se quer fazer a denúncia
independentemente do inquérito, com prazos muito exíguos, como 24 horas para
apresentar os quesitos para a perícia, isso num sábado à partir das 20h para
vigorar até o domingo, às 20h, fora do expediente forense. Então eu olho isso e
tenho o direito de supor que seja uma tentativa de derrubar governo.
O senhor acha que o procurador
geral, Rodrigo Janot, está sendo arbitrário no seu caso?
Olha, eu prefiro não comentar. E acho
que isso já dá uma boa resposta, não é verdade?
Se o senhor pudesse ficar cara
a cara com o empresário Joesley Batista hoje, o que o senhor diria para ele?
Eu prefiro não mencionar na
entrevista (risos).
O novo ministro da Justiça,
Torquato Jardim, disse que consultaria o senhor sobre uma eventual substituição
do diretor geral da Polícia Federal, Leandro Daiello. Qual será sua orientação?
Primeiro, vou verificar qual é a
perspectiva que ele, Torquato, tem em relação aos vários órgãos que existem lá
no Ministério, incluindo a Polícia Federal. Quando ele me trouxer os argumentos
eu vou examiná-los, mas a decisão é dele, avalizada por mim, sem dúvida
nenhuma.
Mas existe a necessidade de
mudar o diretor da PF?
Pode ser que o novo ministro levante
os dados todos que ele julgue convenientes e venha conversar comigo sobre isso.
Fui secretário da Segurança Pública em São Paulo, duas vezes, e eu tinha que
ter pessoas da minha confiança em certos cargos, então eu mudava
delegado-geral, mudava o comando da Polícia Militar quando necessário. A
mudança do diretor da PF vai depender do novo ministro.
Uma mudança agora não poderia
ser mal interpretada?
Só seria mal interpretada se você
dissesse assim: só existe uma pessoa na Polícia Federal capaz de comandá-la.
Mas isso desmerece a instituição e tenho certeza que o próprio diretor não
pensa dessa maneira.
O senhor teme uma delação do
seu ex-assessor Rodrigo Loures?
Não creio. Acho que ele é uma pessoa
decente. Eu duvido que ele faça uma delação. E duvido que ele vá me
denunciar. Primeiro, porque não seria verdade. Segundo, conhecendo-o, acho
difícil que ele faça isso. Agora, nunca posso prever o que pode acontecer se
eventualmente ele tiver um problema maior, e se as pessoas disserem para ele,
como chegaram para o outro menino, o grampeador (Joesley): “Olha, você terá
vantagens tais e tais se você disser isso e aquilo”. Aí não posso garantir.
Pelo que conhece dele, o senhor
esperaria que ele andasse por aí com uma mala com R$ 500 mil em dinheiro vivo
de um empresário?
Confesso que não. É até
surpreendente. Não sei a que atribuir isso, se atribuo à ingenuidade suprema,
porque o sujeito pegou uma mala numa pizzaria.
O senhor se sentiu traído?
Não me senti traído porque não tenho
nada a ver com isso.
Tem ligação com o seu partido?
Não creio.
Então seria uma atitude
isolada?
Isolada.
“A mudança
do diretor da Polícia Federal vai depender do novo ministro” (Crédito:Caio
Guatelli)
Como explicar os R$ 500 mil por
20 anos ao seu ex-assessor?
A conversa que ele (Joesley) teve
(com Loures) não sei dizer qual era. Queriam seduzi-lo para fazer o seguinte:
como não saiu o negócio do Cade, tempos depois, ele foi lá entregar um
dinheiro, acho que uma antecipação ao Rodrigo. Para quê? Para flagrar, filmar.
Mas é porque a coisa do Cade não estava saindo. Como realmente não saiu. Você
propor um inquérito contra um presidente da República, ancorado numa gravação
que, desde o primeiro momento, foi impugnada pelas nossas perícias mostrando a
imprestabilidade dessa prova, isso não pode servir de fundamento desse
inquérito.
Por quê?
Não foi um inquérito contra um
cidadão comum. Foi contra uma instituição, que é a Presidência da República.
Aliás, tão logo foi proposto o inquérito, o Brasil teve um prejuízo de R$ 219
bilhões. Note o prejuízo que ele (Joesley) causou e que terá de ressarcir um
dia.
Estar incluído no mesmo
inquérito que o senhor é bom para o Loures. Mas não fica ruim para o senhor?
Não fica porque eu vou provar, como
tenho provado seguidamente, que não tem absolutamente nada de participação
minha nesses episódios.
O empresário Joesley Batista
relatou ao senhor uma série de crimes. Por que, como autoridade máxima do
Brasil, o sr. não tomou uma atitude?
Não achei que seria uma
gravidade tão imensa. Já ouvi tanta coisa na vida. Várias pessoas vêm me
falar coisas. E meu estilo não é agressivo. “Olha, você está preso”. Isso eu
não faço.
Se depois de tudo o que
aconteceu, uma pessoa disser uma coisa tão chocante quanto a que falou o
Joesley, o senhor pretende mudar de atitude?
Eu vou examinar. Se eu conhecer a
personalidade do indivíduo que está me falando as coisas, tomarei providências
de acordo com o conhecimento que eu tenho da sua personalidade. Farei dessa
maneira.
A delação do empresário Joesley
foi divulgada no momento mais apropriado ao delator. Quando ele já tinha
deixado o Brasil com a família, o que tem levantado várias teorias da
conspiração. O senhor acha que todo esse roteiro já estava escrito ou foi uma
boa coincidência à família Batista?
Acho que estava escrito porque até no
plano econômico ele soube utilizar esse fato. Mencionamos aquela hipótese de
US$ 1 bilhão, mais a venda das ações de sua empresa. Você percebe que era uma
coisa que estava bem articulada. Não foi algo espontâneo, de um momento para o
outro. Foi uma coisa pensada e levada adiante em razão do pensamento que antes
se delineou por causa disso.
O senhor voltará a receber o
ex-deputado Eduardo Cunha quando ele sair da cadeia?
Não sei, mas acho que não teria
dificuldade se for procurado. Eu converso com tanta gente. Mas aí vão dizer que
o presidente não pode conversar com certas pessoas. Isso não existe. Eu fui
vítima do meu jeito de ser no tocante a receber as pessoas. Hoje eu começo a
achar que, por exemplo, foi uma falha ter recebido o procurador-geral duas ou
três vezes no Jaburu sem agenda. Como ter recebido inúmeros jornalistas e
empresários fora da agenda. Foi uma falta de liturgia que, até digo, é
inadmissível no cargo.
Com a saída de Osmar Serraglio
do Ministério da Justiça, o Rodrigo Rocha Loures perdeu o foro privilegiado. O
senhor pretende garantir o foro a ele?
Não pretendo. Isso não é verdade.
Aliás, processualmente, ele está vinculado a mim e não perde o foro por causa
disso.
A nomeação de Torquato Jardim
para o ministério da Justiça pode afetar a Lava Jato?
A Lava Jato vai continuar. O que não
podemos é achar que o Executivo ou o Legislativo vão interferir toda hora no
Judiciário. Cada um tem suas funções distintas. Deixem os poderes trabalhar.
Mas o Torquato Jardim foi
crítico da Lava Jato em vários aspectos. O senhor também tece críticas à
investigação?
Eu respeito a opinião do Torquato,
porque ele dá como jurista e advogado. Sei que ele é capaz das melhores
formulações jurídicas. Agora, eu não entro no mérito da Lava Jato porque eu
estarei interferindo, como chefe do Executivo, na atividade dos poderes.
Interferência indevida e até proibida pela Constituição.
Recentemente, ministros da
Justiça assumiram a função de defensores de presidentes da República. Foi assim
com o ex-ministro Thomaz Bastos e Lula, com José Eduardo Cardozo e Dilma. O
mesmo vai acontecer com o ministro Torquato?
Nem os anteriores que você mencionou,
nem o Torquato Jardim defendem o presidente da República. Eles defendem o
governo. O dever deles é esse. Aliás, não é só do ministro da Justiça. Todo e
qualquer ministro deve defender o seu governo.
Qual é o ponto-chave da sua
defesa na Justiça?
Revelar o banditismo que levou a essa
necessidade de defesa e que causou prejuízos ao País.
No seu pronunciamento, o senhor
falou em crise de “institucionalidade”. Poderia explicar?
Vou dar um exemplo mal compreendido
pela imprensa. O que é abusar da autoridade? Não é abusar do presidente da
República. É ultrapassar os limites da lei. A autoridade no estado democrático
é da lei, não é das figuras físicas.
Como o senhor encarou o fato de
o presidente da OAB pedir o seu impeachment?
Lamentei por uma razão singela. Eu
sempre fui representante da OAB em vários pleitos. O artigo 133 da Constituição
diz que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo
inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Quem
introduziu isso na Constituição fui eu. Eu lamentei pelo presidente da OAB, que
recebeu críticas dos próprios colegas. Alguns disseram que ele deveria primeiro
aguardar o periciamento da fita para ter dados mais concretos para propor o
impedimento. Cada um tem o seu estilo, às vezes louvável, às vezes condenável.
O senhor se arrepende de algo
desde que assumiu a Presidência?
Não me arrependo de nada do que fiz.
Sempre pautei minha vida com critérios muito rígidos de comportamento
administrativo e institucional. Não sem razão fui três vezes presidente da
Câmara dos Deputados. O que me desagrada é o aspecto moral, porque eu levei a
vida com muita moderação. E agora vejo que se tenta jogar meu nome na lama. Eu
fico realmente preocupado. Mas tenho certeza e provarei que a razão está ao meu
lado.
A que o senhor atribui a reação
dos empresários de manterem investimentos, apesar da crise?
Ao governo que nós demos início há um
ano. Já trouxemos grandes vantagens para o País. A primeira consequência foi
estabelecer um teto para os gastos públicos. A segunda, foram as reformas que
já foram feitas, como a do ensino médio. A própria redução da inflação. Nós
pegamos mais de 10% e hoje está praticamente em 4%, abaixo da meta que
queríamos atingir no final do ano.
A Lava Jato vai
continuar. Não podemos achar que o Executivo vai interferir no Judiciário
O senhor diria que os
empresários estão confiantes?
O empresariado está confiante em um
novo País, pautado pela credibilidade e pela confiança. Todos os aeroportos que
nós colocamos para licitação foram negociados com ágio extraordinário. Tenho
recebido inúmeras delegações de empresários que só fazem me dizer que vão
reinvestir mais dinheiro no nosso País.
O governo acaba de anunciar um
PIB positivo. O senhor acha que uma convulsão política pode atrapalhar a
recuperação econômica?
Essa redução sensível dos juros e
também o crescimento do PIB de 1% nós esperávamos na verdade para o fim do ano,
praticamente para o último trimestre. Assim como as aberturas de vagas de
trabalho, que também eram esperadas para o último trimestre do ano, mas estão
se dando muito antes. O que significa mais uma vez a credibilidade que o País
readquiriu. Essa chamada crise política foi uma crise que não paralisou o País.
Ao contrário. Ela até motivou o Congresso, onde eu tenho um apoio
extraordinário, a votar matérias. Aconteceram coisas inusitadas.
Quais coisas?
Primeiro, a reforma trabalhista, a
modernização trabalhista continuou a ser discutida e lida para ser votada no
Senado, já foi votada na Câmara dos Deputados. A Câmara, por sua vez, na semana
passada, votou 7 MPs, um caso ímpar, especialmente numa semana logo após a
suposta crise derivada do ato do empresário grampeador.
O senhor acredita na aprovação
da reforma da Previdência no segundo semestre?
No instante que nós aprovarmos, como
vamos aprovar, a reforma trabalhista, logo depois aprovaremos a reforma
previdenciária. Depois disso, a nossa intenção é fazer uma simplificação
tributária no País. Não falo exatamente numa reforma tributária, mas uma
simplificação do sistema tributário. Essa simplificação vai ajudar os estados e
os municípios brasileiros.
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