domingo, março 27, 2016

LOBÃO SURPREENDE

O já "velho" Lobo - o cantor e compositor Lobão - melhor quando canta do que quando fala - muitas vezes radical gratuito, rebelde tardio sem causa - surpreendeu a todos, com uma carta aberta a seus principais desafetos Caetano, Gil e Chico Buarque,em sua conta no facebook, em que reflete com rara lucidez sobre o momento político brasileiro.

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Lobão usou a conta no Facebook para se desculpar / Foto: Divulgação

Lobão usou a conta no Facebook para se desculpar

Foto: Divulgação

Do JC Online

Acostumado a ter posições polêmicas, tidas pelos críticos como desnecessárias,  como quando divulgou o endereço do filho do ministro do Supremo Teori Zavascki para que seus seguidores fossem lá protestar, o cantor e compositor Lobão surpreendeu ao publicar, neste domingo(27), uma longa carta aberta endereçada a Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. O que motivou a nova postura de Lobão, apresentada em sua conta no Facebook, segundo o próprio, foi a participação dos outros artistas no programa Altas Horas, da Rede Globo, exibido na noite de sábado(26)
“Decidi escrever uma carta aberta a vocês por inúmeros motivos, mas confesso que dentre todos esses tais motivos que me moveram ,estava lá ,para minha surpresa, no fundo do meu peito a me gritar, o maior e mais importante deles todos: O meu amor por vocês.Não poderia haver momento mais emblemático, um domingo de Páscoa, me permitir( não sem alguma resistência) ser flagrado em minhas próprias contradições. Pois bem: na madrugada de hoje ,tomei fôlego e sintonizei o programa do Serginho Groissmann no intuito(um tanto beligerante) de verificar as declarações do Caetano que vazaram na imprensa sobre as passeatas, a situação política etc e tal, imaginando colher não somente o que foi dito, mas como foi dito ,gesticulado e contextualizado”, diz o compositor.
O músico chega a convocar Caetano, Gil e Chico para uma espécie de debate ideológico. "A minha proposta é simples e singela: nos concedermos a oportunidade de revermos nossos pontos de vista, nossas metas, de conversarmos como pessoas crescidas que estão nessa luta por um Brasil mais justo, cada um a sua maneira, com toda disposição de melhorar as condições do país em todos os sentidos".

LEIA A CARTA

Carta Aberta para Caetano, Gil e Chico
Caros amigos ,
Decidi escrever uma carta aberta a vocês por inúmeros motivos, mas confesso que dentre todos esses tais motivos que me moveram ,estava lá ,para minha surpresa, no fundo do meu peito a me gritar, o maior e mais importante deles todos: O meu amor por vocês.
Não poderia haver momento mais emblemático, um domingo de Páscoa
, me permitir( não sem alguma resistência) ser flagrado em minhas próprias contradições.
Pois bem: na madrugada de hoje ,tomei fôlego e sintonizei o programa do Serginho Groissmann no intuito(um tanto beligerante) de verificar as declarações do Caetano que vazaram na imprensa sobre as passeatas, a situação política etc e tal, imaginando colher não somente o que foi dito, mas como foi dito ,gesticulado e contextualizado.
Até então, o clima era de afiar unhas e dentes.
Contudo, algo muito possante tomou conta de mim, uma força estranha foi me conduzindo para áreas da minha memória afetiva e quando dei por mim, estava lá eu olhando para a TV inundado de carinho e amor , com um enorme sentimento de parentesco por aquelas duas figuras( Caetano e Gil) que há tantos anos venho me digladiando e divergindo.
Essa tal força estranha também dragou uma outra figura, na tela ausente, para a ribalta do meu coração, o Chico .
E a partir daquele instante me vi numa tremenda sinuca de bico:
Se estou eu, lutando pela verdade dos fatos, por alguma razoabilidade nos gestos, por justiça, honestidade intelectual, tolerância e entendimento, cabe a mim adotar esse rigor, antes de mais nada, a mim mesmo e por isso mesmo venho a público pedir minhas desculpas por ter sido durante todos esses anos ,desonesto a diminuir o talento de vocês três por pura birra, competição, autoafirmação ou até, vá lá, uma discordância genuína quanto a princípios ideológicos ,políticos e metodológicos.
Vocês três fazem parte, queira eu ou não, do meu DNA artístico e afetivo, do meu imaginário poético e são sim, artistas muito fora da curva ,tanto na excelência das canções com na criatividade ,na beleza e na inspiração de seus versos. Portanto, peço humildemente o perdão de vocês, Caetano ,Gil e Chico.
Sendo assim, desde então , livre para vos amar ,admirar e respeitar, voltemos à vaca fria, a esse momento grave de colapso de governo ,de ódio generalizado entre os brasileiros.
Caetano ,me corrija se eu estiver errado, mas ao observar seu posicionamento sobre as passeatas e os movimentos sociais notei na sua mímica( mais até no que você dizia)uma angústia cravada de dúvidas em relação a essa torrente de acontecimentos insólitos, surpreendentes a nos deixar atônitos e desnorteados. E havemos de acrescer de mais angústia ainda ao contabilizá-la, uma vez que o programa já havia sido gravado duas semanas antes! Ou seja, há priscas eras ,quando nossas preocupações ainda eram criancinhas de pré primário diante das atuais!
E a grande preocupação atual é o fato de todos nós sermos forçados a concordar sem a menor sombra de dúvida que esse governo já não vigora mais como tal , que ele mesmo se deliquesceu no esplendor duvidoso de sua ruína moral, arrastado para a seara da pura e simples criminalidade e que será necessário de agora em diante muita serenidade ,sabedoria e união de todos nós para recomeçar tudo de novo.
A minha proposta é simples e singela: nos concedermos a oportunidade de revermos nossos pontos de vista ,nossas metas, de conversarmos como pessoas crescidas que estão nessa luta por um Brasil mais justo, cada um a sua maneira, com toda disposição de melhorar as condições do país em todos os sentidos. Começaríamos, como não poderia deixar de ser, pela nossa classe que tanto precisa ser reavaliada, repensada e reorganizada não somente entre as nossas relações pessoais enquanto colegas mas como também nas políticas culturais.( ou não)
Quem sabe ,nesse momento sombrio esteja, justamente a nossa brecha cósmica de mudanças de paradigmas nefastos tão profundamente enraizados em nossas almas, em nosso imaginário e principalmente ,em nossa forma de agir.
E que ironia do destino, numa data tão emblemática como esses idos de março, num fechamento de ciclo iniciado em 64 que se prenuncia ameaçador latejando em nossos corações como uma tempestade a nos colher de hora marcada ,seja agora o instante de rechaçarmos de vez essa tenebrosa repetição de padrão que nos condenaria para todo o sempre a criaturas imunes aos efeitos da tentativa e erro.
Está em nossas mãos ,enquanto artistas sempre com forte penetração no coração da alma brasileira, não permitir que sejamos reféns de nossa inépcia, de nossas paixões, dos nossos cacoetes e de nossa vaidade.
Quem sabe ,nessa hora das mais escuras, seja esse o momento de erradicarmos para sempre aquelas vicissitudes mesquinhas do que ( não) entendemos por esquerda e direita, sobre o que é desigualdade e quais suas causas em suas mazelas reais? Quem sabe ,tenha chegado o esperado momento em que finalmente deixemos de ser essa província de terrores brandos e esmaecidos por nossa fantasia delirante de teimar ser um povo macunaimicamente escolhido nos condenando ao parasitismo, ao clientelismo, ao coronelato e a ideólogos cretinos a nos conduzir por toda eternidade?
Quem sabe seja nessa hora amarga de desmoronamentos de sonhos e anseios, o terreno mais fértil para nos ouvirmos e nos desfrutarmos com mais proveito ,com mais sabor e daí surgir um oceano de novas revelações?
Portanto, meus caros amigos, clamo a vocês ,de todo o coração, para que conversemos, discutamos, discordemos que seja, mas encaremos essa crise com determinação e confiança em cada um de nós, para que possamos descortinar novos horizontes com a real possibilidade da elaboração de novas formas de pensar e agir para fazer valer a pena tantas décadas de erros infantis, sempre com a certeza de sermos homens de boa vontade, que sob os mais variados vieses de pensamento ,queremos mais justiça, mais fartura, mais amor, progresso a paz nessa terra tão devastada por paixões e cacoetes infrutíferos .
A hora é essa, meus caros amigos, recebam pois o meu amor ,meu carinho e respeito convictos de que haverá em mim uma criatura plena de vontade de cooperar com humildade e dedicação por um Brasil melhor e que não há razão nem espaço para conflitos ,convulsões sociais nem revoluções .Nossa transformação será através do crédito moral, do afeto e dessa nova aliança que, tenho fé, permeará esse novo e maravilhoso Brasil que se vislumbra. Topam?
Um beijo pra vocês três. Love ,Love, Love !

Lobão(Sp.27 de março de 2016)

Um comentário:

  1. DÉCADENCE SANS ÉLÉGANCE

    Nem todo direitista é derrotista, mas todo derrotista é direitista.

    Reparem no capricho do léxico: as duas palavras são quase idênticas. Ambas têm dez letras, soam similares e até rimam. Se você tem dúvida se alguém é de direita observe essas características. Começou a falar mal do Brasil e dos brasileiros, a demonstrar desprezo por tudo daqui, a comparar de forma depreciativa com outros países, é batata. Derrotista/direitista detectado.

    Temos hoje no Brasil várias personalidades célebres pelo derrotismo explícito e pelo direitismo não assumido.

    Da geração dos 80, Lobão sempre foi meu favorito. Eu simplesmente amo suas canções. Para mim, Rádio Blá, Vida Bandida, Vida Louca Vida e Decadence Avec Elegance são clássicos. Além de Corações Psicodélicos, em parceria com Bernardo Vilhena e Julio Barroso, ai, ai… Adoro.

    E não é porque Lobão se transformou em um reacionário que vou deixar de gostar. Sim, Lobão virou um reaça no último. Alguém que voltasse agora de uma viagem longa ao exterior ia ficar de queixo caído: aquele personagem alucinado, torto, jeitão de poeta romântico, que ficou preso um ano por porte de drogas, se identifica hoje com a direita brasileira mais podre.

    Não me importa que Lobão critique o PT ou qualquer outro partido.

    O que me entristece é ele ter se unido ao conservadorismo para perpetrar barbaridades como a frase, dita ano passado, em tom de pilhéria: “Há um excesso de vitimização na cultura brasileira. Essa tendência esquerdista vem da época da ditadura. Hoje, dão indenização a quem sequestrou embaixadores e crucificam os torturadores, que arrancaram umas unhazinhas”.

    Lobão é um polemista profissional, vive disso. Ninguém pode censurá-lo por falar mal das indenizações pagas pelo Estado – algumas delas milionárias e descabidas. Mas daí a minimizar os atos cometidos pelos torturadores e banalizar o sofrimento das vítimas já é demais.

    Muita gente se pergunta como é que isso aconteceu. O que faz um roqueiro virar reaça? A resposta é simples.

    Lobão é um fenômeno muito comum: o sujeito burguês que, na juventude, se transforma em rebelde para contrariar a família. Mais tarde, com os primeiros cabelos brancos, começa a brotar também a vontade irresistível, inconsciente ou não, de voltar às origens.

    Aos poucos, o ex-revoltadex vai se metamorfoseando naqueles que criticava quando jovem artista. “Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo. São crianças como você, é o que você vai ser quando você crescer” –Renato Russo, outro roqueiro dos 80′s, já sabia.

    O carioca Lobão, nascido João Luiz Woerdenbag Filho, descendente de holandeses e filhinho mimado da mamãe, estudou a vida toda em colégio de playboy, ele mesmo conta em sua biografia.

    Nada mais natural que, à medida que a ira juvenil foi arrefecendo –infelizmente junto com o vigor criativo– o lado burguês, muito mais genuíno, fosse se impondo. Até mesmo por uma estratégia de sobrevivência: se não estivesse causando polêmica com seu direitismo, será que ainda falaríamos de Lobão?

    Lobão padece de uma doença social: o cinismo de uma elite que vê a mentira e o logro como ferramentas para “se dar bem”.

    O bom filho de papai a casa torna. A família dele, agora, deve estar orgulhosíssima.

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