Retrato de um multiartista
Após rodar por sete capitais brasileiras, a mostra “Múltiplo Leminski”, em homenagem ao poeta curitibano Paulo Leminski, morto em 1989, chega ao Rio, onde fica deste domingo (10.01) até o dia 6 de março, na Caixa Cultural. Para repassar a vida e a obra do escritor, mais de mil objetos serão exibidos ao público
— A ideia era fazer uma exposição completa, com o intuito de desmistificar e também elucidar seu trabalho — afirma Áurea Leminski, filha do autor, que assina a curadoria com a irmã, Estrela, e a mãe, a poeta Alice Ruiz.
Entre versos, imagens, objetos pessoais e vídeos, o visitante poderá conhecer todas as vertentes de Leminski.
— Buscamos dar a sensação de entrar na cabeça de um criador: o vasto repertório como letrista e compositor, recortes específicos da faceta como jornalista, publicitário e crítico por meio de originais (manuscritos e datilografados), entrevistas, cartas, documentos e crônicas de jornais — diz.
Para Áurea, a exibição afetiva é uma oportunidade de lidar com a memória do pai.
— É ótimo porque ela junta o útil ao agradável. O útil é a organização deste material e sua disponibilização ao público; o agradável é estar ali compartilhando as coisas que a gente admira, e fazer isso em família — conta a curadora, que reforça o legado literário do poeta.
— Ele era um artista à frente do seu tempo. Foi precursor de um estilo. Dizia o máximo com o mínimo. Era uma figura transgressora.
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1. De onde surgiu a ideia de fazer uma mostra afetiva sobre a vida e a obra do Leminski?
A exposição surgiu com o convite do MON (Museu Oscar Niemeyer), em Curitiba, para realizar uma mostra no Salão do Olho, com curadoria da Alice Ruiz e assistência de curadoria de Áurea Leminski e Estrela Ruiz Leminski. Como tínhamos um espaço expositivo de mais de mil metros quadrados, foi possível revelar todas as áreas em que Leminski atuou. A ideia era fazer uma exposição completa, com todas as suas atuações, com o intuito de desmistificar e elucidar vida e obra.
2. Como foi o processo para transpor um trabalho literário para uma mostra visual?
Apesar de ter sido mais conhecido pela obra poética, em todas as áreas que atuou, as multilinguagens estão presentes. Cada faceta desperta o interesse do público em conhecer e mergulhar mais na diversidade da produção de Leminski. A exposição é dividida em nichos que apresentam as diversas linguagens e áreas em que ele atuava: painéis, fotos, vitrines, espaços cênicos, vídeos, discos, poesias escritas em guardanapos, reproduções de grafites, histórias em quadrinhos, porta-retrato digital e sonorização do ambiente. Toda a ambientação, aliás, foi elaborada de forma visualmente poética para condensar informações fundamentais para o entendimento sobre a vida, obra e processo criativo de Leminski.
3. Quais outras facetas do escritor o público poderá conhecer ao visitar a Caixa?
O público encontra todas as principais áreas de atuação do artista, desde o processo de criação até as obras finalizadas. Ele foi um pensador de cultura, haikaísta, tradutor, biógrafo, jornalista de imprensa escrita e televisionada, ensaísta, contista, romancista, autor de experimentações verbais e visuais, ‘polemista’, roteirista de histórias em quadrinhos, judoca, professor, publicitário e compositor. A exposição apresenta suas principais inspirações, referências e parceiros, revelando o artista diverso, criativo e inovador que foi Paulo Leminski. Mas talvez o público se surpreenda com o de músico e jornalista.Tanto o Songbook, como o disco duplo “Leminskanções”, lançados no ano passado, surgiram do mesmo momento: quando nos demos conta de que muitas pessoas não faziam ideia que o Paulo era compositor. Na exposição isso está bem explicado e a abertura contará com um pocket show da Estrela interpretando este repertório.
4. Para as filhas, qual é a sensação de mergulhar no universo pessoal e profissional do Leminski? Descobriram coisas novas sobre o pai?
É ótimo, já que ela sempre juntou o útil ao agradável. O útil é a organização deste material do e disponibilização ao público, o agradável é estar ali compartilhando as coisas que a gente admira e estar fazendo isso em família. Cada montagem é única. Como o nosso olhar sobre o acervo também muda, às vezes a gente descobre coisas que não sabíamos que existiam, às vezes redescobrimos coisas com outro olhar. E, paralelamente, a publicação dos livros e outras ações em torno do nome dele vão trazendo outros desdobramentos de divulgação da sua produção. Isso tudo também deixa a vida um pouco burocrática, mas é incrível quando você vê que uma conversa que você tem em família decidindo que cada uma vai cuidar de uma parte da obra se transforma em coisas como o livro “Toda Poesia” (que minha mãe organizou e levou para a Companhia das Letras), na publicação dele no exterior, no “Bicho Alfabeto” (livro infantil ilustrado pelo Ziraldo), na exposição itinerante “Múltiplo Leminski” (que concebemos e minha irmã gestiona), na digitalização do acervo, um CD duplo e um Songbook.
5. Qual é o legado da poesia do Leminski?
Ele era um artista à frente do seu tempo. Foi precursor de um estilo de linguagem que é muito corrente hoje, com uma comunicação objetiva e concisa. Dizia o máximo com o mínimo. Tinha senso de humor, era capaz de falar sobre as coisas mais complexas e profundas usando uma linguagem simples e direta. O texto do Leminski é conciso e preciso. Transita entre o erudito e o pop com a mesma desenvoltura. A obra de Leminski é original como revela o livro de prosa experimental “Catatau”. Na poesia, ele estava além de seu tempo com versos próprios para os dias de hoje, "ultrasegundos de hiperinformação", como ele definia o haikai. Pra muitos ele é a de porta de entrada para poesia. Até hoje ele faz com que os jovens comecem a gostar de ler e escrever. Ele tem um estilo que dialoga com Ferrez mas tem uma prosa experimental que fala com James Joyce.
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