quinta-feira, dezembro 24, 2015

FELIZ NATAL

Já é quase Natal.
Minha memória me toma pela mão e me leva de volta à casa de minha infância. O telhado assimétrico, na avenida descalça, Governador Roberto da Silveira, no bairro do Careca, que eu tinha vergonha de dizer quando me perguntavam onde eu morava, as janelas de madeira maciça, castigadas de sol.
No quarto de minha mãe, o cheiro permanente de seu perfume, o guarda vestido, de duas portas e um compartimento no meio, de portinholas de madeira e cortinas, onde ficavam seus pertences mais caros: a bolsa de dinheiro contado, os vidros de perfume, os rosários e as vistosas fitas do Apostolado.
Minha mãe. Moça ainda, forte, destemida, se preparando para a Missa do Galo, na matriz. A ceia simples, mas de sabor inequecível, era servida depois do compromisso com o Menino Jesus. Eu achava surpreendente que Jesus tivesse sido Menino, como eu. Menino Jesus, ora veja!.
Meu Deus, e aquele menino, na janela da sala, de olho no céu, esperando, ansiosamente, Papai Noel, sou eu.
Os presentes nunca vieram. Minha mãe se encarregava das desculpas. "Choveu e o trenó não pode vir, ele passou, mas como a rua estava muito escura, ele errou o endereço". Eu fingia uma zanga e logo corria pra rua, cheia de poças d'água da chuva da noite passada.
Mas, na verdade, presente era um luxo pra quem tinha o mundo inteiro ao seu dispor na chácara de laranjeiras, mangueiras, e tantas outras frutas, sem contar as goiabeiras que serviam para brincadeiras acrobáticas.
Pra que presente, para quem tinha balebas, bolas de couro, valão pra tomar banho escondido, seis irmãos para almoçar e dormir juntos e uma menina no grupo escolar Barão de Macaúbas, inacessível, mas minha namorada nos sonhos, onde eu era rei.
Já é quase Natal lá no morro do Careca. Hora do sagrado compromisso da Missa da meia noite, onde eu, irremediavelmente, perdia a batalha para o sono. O Menino Jesus, por certo, dormia também.
Pra que presente para quem tinha a guiá-lo, a mão firme, doce e carinhosa do seu jeito, de sua mãe.
Já é quase Natal aqui.
A memória se despede e volto pro tempo presente.
Ficaram longe o menino que fui, o Natal que era e minha mãe.
Contudo, Feliz Natal!
(FLF - 24122015)
(Fotografia: Patrícia Bueno)


4 comentários:

  1. Fantástico. Tive as mesmas lembranças e percepções. Só VC pra resgatar isso de nós.
    Um grande abraço.
    E Feliz Natal.

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  2. fernando acho que vc deveria mandar ou arranjar um jeito de fazer chegar seus textos aos grandes centros. Sua literatura não fica adever a ninguém de qualidade nesse país. Lindo, lindo!

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  3. Obrigado por compartilhar generosamente a sua sensibilidade.

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