Este caso não aconteceu exatamente hoje. Deve estar completando
um ou dois meses. Mas eu me furtei de descrevê-lo e, temendo perdê-lo na
memória hoje relato-o para dividir aqui com vocês.
Estava eu trabalhando no meu
escritório quando a campainha tocou estridente e alongada. Era o prenúncio de
mais um pedinte, viciado ou similar das cercanias, que sempre assim batiam à
porta.
Uma voz cansada e procurando
pelo dono da residência se apresentou. Fui seco e rude, imaginando se tratar de
um mal visitante. Com o desenrolar da conversa, percebi que, na verdade, se
tratava de um vizinho. Não qualquer vizinho. Era “o” vizinho.
“O” vizinho, em questão, era um
senhor, do alto dos seus 87 anos, que residia (ora sim, ora não) duas casas
após a minha. Seu histórico em nossa rua traz a triste lembrança de uma
discussão áspera que acabou seguida de morte, há longínquos 25 anos, quando
esfaqueou e atirou até a morte “Pinga Fogo”, seu vizinho de muro que teimou em
não cortar uma árvore que pendia pro lado de sua residência.
Permita-me ser vago em citar seu
nome, mesmo tendo revelado o sugestivo apelido da pinguça vítima do causo. Mas é que aquela alma, da qual nunca se soube
de história agressiva anterior, tampouco posterior, não merece ser mal quista
depois desta leitura.
Ele já pagou pelo seu erro cumprindo a sentença imposta pela
justiça, como todos condenados assim deveriam fazer e retornou ao convívio de
todos, mesmo que à sua afastada e calada maneira.
Voltando ao assunto que o levou
à minha porta, após uma rápida conversa de interfone, desci e o atendi pessoalmente
como regem as práticas da boa convivência. Era a segunda ou terceira vez em
toda minha vida que eu ouvia sua voz.
Seu terreno, com incríveis 10 metros de largura por quase 70
de profundidade em plena área central de Campos era palco de um casebre em
cômodos caquéticos e já desfigurados, desmoronando pouco a pouco ao longo dos
anos e um quintal vasto, cujo mantê-lo limpo e capinado era sua grande
ocupação.
Sobrava em todo aquele
latifúndio urbano um banheiro, sem qualquer ventilação, iluminação ou água
corrente; e um cômodo, que teve sua janela trancada (por motivos de segurança,
segundo o próprio) com tijolos e cimento, tornando sua porta de passagem a
única fonte de ventilação, se assim podemos chamar aquela tenra hora em que ele
abria e logo fechava assim que adentrava ou saía, por medo de invasores sempre
presentes.
O que ele queria era uma ajuda,
segundo seu julgamento, uma simples ajuda: que o ajudasse a cortar – ou providenciasse
o corte – da árvore (dessa vez um pé de manga da casa que nos separava, não o
pé de tamarindo já extinto do falecido “Pinga Fogo”).
Ele temia que a erva de passarinho que tomava conta daquele
pé de manga pusesse em risco sua vivencia já difícil naquele úmido e quente
cômodo de conforto quase nulo.
Pensei eu: não vou ser tolo de
pensar que “a história se repete”, mesmo sendo este um pedido bem parecido com
aquele que originou o fatídico momento de 25 anos atrás, não poderia negar, por
medo, ajuda a um vizinho de recursos escassos não só financeiros, como
emocionais e afetivos. Ele não tinha com quem contar senão à minha família e
eu.
Chamei, então, um jardineiro de
nossa confiança para o serviço e prontifiquei-me a arcar com os custos, mesmo nada
tendo a ver com o terreno, tampouco com o problema que assustava nosso amigo
solicitante – mas, sinceramente, não parecia caso de preocupação.
Começamos o trabalho no dia
seguinte, logo cedo. Com muita boa vontade e poucas forças, do alto de sua longa
idade, “o” vizinho ali estava presente também. Feliz e confiante. Sentiu-se
acolhido por mim, como quem encontra o ombro de um grande amigo num momento de
aflição. Chamava-me de “Zezinho”, numa alusão ao meu falecido pai, do qual
herdei o primeiro nome.
Mas o principal desta história
estava por vir.
Ao concluirmos a poda, ainda
trocamos algumas palavras, como bons amigos vizinhos que nos tornamos. Ele
dizia que sua aposentadoria de um salário mínimo e o afastamento dos familiares
por razões pessoais, o deixavam ainda mais frágil em sua saúde, já debilitada
pela idade e a alimentação inadequada que seguia.
Mesmo com pouca higiene pessoal
(lembremos que na sua “residência”, se assim podemos chamar os escombros que
ainda se sustentavam de pé, não tinha água ou luz, tampouco gás, cujo botijão
lhe fora roubado anos atrás), ele ainda dizia que queria e poderia trabalhar.
Dizia que era “técnico em
eletrotécnica, sem estágio”, formado por correspondência. Eu, que sempre via as
publicidades deste gênero nas revistas em quadrinhos da minha infância, jamais
imaginei que um dia encontraria um diplomado destes. Contava também que fora
vigia noturno “durante muitos anos”. Mas, convenhamos, aos 87 anos, enquadrá-lo
no mercado de trabalho naquelas condições era algo surreal.
Mas ele tinha “uma carta na
manga”: dizia que, todo mês, ao receber a aposentadoria, ele pagava “o carnê
por uma cidade melhor”.
Inicialmente tentei imaginar que tipo de golpista sem alma
criou um carnê para ludibriar pessoas assim. Até que fui entendendo a mensagem
com o desenrolar de sua explicação:
“Eu quero uma cidade melhor. Eu
quero ajudar a minha cidade a ser melhor. Assim, ela cresce e eu vou poder
trabalhar e ajudar os outros a arrumar trabalho também. Já vi que fizeram um
hospital, que fica na capa do carnê. Ainda não fui lá pessoalmente, mas quero
conhecer. Você sabe onde é? Eu acredito que se todo mundo pagar, a cidade vai
melhorar e que vou conseguir ajudar e chegar lá”.
Era o que faltava para matar a
charada. Tratava-se nada mais, nada menos, que o Carnê do IPTU, que ostentava,
no ano de 2013, a foto de um atendimento no hospital (com impecável produção
publicitária, diga-se de passagem) e o slogan: “Por uma cidade melhor”.
Ali eu pude ver “a inocência de
uma frase mal dita”. Uma frase que compunha um layout, que no ver da dita
“maioria”, só servia pra cumprir espaço, preencher um calhau gráfico. Mas não
para pessoas humildes e de bom coração, como são, sim, a maioria das pessoas e
“esse” vizinho.
Naquele momento eu pude ver como
simples frases podem preencher sonhos tão complexos. Pude ver e passei a me
sentir muito mais responsável pela minha profissão de publicitário, mensurando
as consequências que nossas “frases de impacto” realmente podem produzir.
E, na minha opinião, essa sensação
de “maior responsabilidade” não deveria ser restrita a nós, “criadores de artes
e frases de impacto”. Essa lição deve aumentar MAIS AINDA a responsabilidade
daqueles que realmente são os zeladores dessa “cidade melhor” – e que pode e
deve ser muito melhor.
Fiquei imaginando quantos vizinhos como “este” temos
espalhados por aí, cujos sonhos são tão simples como se sentirem úteis e ativos
no mercado de trabalho e que talvez também acreditem que um carnê pago possa
trazer seus objetivos para mais perto.
Na verdade, nossos carnês
realmente são pagos para isso. Mas será que realmente estamos vivendo “uma
cidade melhor”?
E quando digo que essa responsabilidade é dos zeladores da
cidade, não me refiro a dois ou três do alto escalão municipal: refiro a todos,
prefeita, vice, vereadores, assessores e suplentes, secretários e todos que
fazem o relógio do progresso marcar o tempo de nossa cidade – que, de forma
triste, constatamos sempre andar atrasado, mesmo tendo potencial para viver
adiantado...
Mas, enfim: o que eu vi naquele momento foi que ajudar um
vizinho me trouxe algo que eu nunca poderia comprar, mas pra sempre iria me
lembrar: a lição de que somos muito mais responsáveis pelos nossos atos – e
pelo que prometemos – do que podemos imaginar.
Verdade, amigo Fernando, Somos responsáveis por sonhos que alimentamos.
ResponderExcluirE a gente faz isso diariamente tbm com nossos filhos e nao percebe...
ResponderExcluirBom que a juventude esteja com esse nível de lucidez. Isso é sinal que o futuro promete ser melhor doi que o presente. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirAh...entendi. Tem que elogiar você pra sua moderação exibir o comentário. Então tá bom...que texto emocionante! Parabéns!
ResponderExcluir?????????????????????????????????????
ExcluirAh, ta bom, você não entendeu. Eu disse que você tinha feito parte do governo mais acéfalo e corrupto que Campos já teve, o de Mocaiber. Por isso não tinha moral pra cobrar nada. Entendeu agora?
ResponderExcluirNão sei se vc é homem ou mulher, mas de uma coisa tenho certeza, vc é um(a) covarde, omisso, cúmplice e desinformado. SE vc me julga incapaz de cobrar deste governo porque fiz parte do governo Mocaiber, por que então vc não faz isso? Esfuziante vestal? Ou vc acha que esse governo é menos corrupto do que o de Mocaiber? Covardaço. Não perco mais meu tempo com vc.
ResponderExcluirBom...você não perder mais tempo comigo já era esperado, é melhor postar comentários simpáticos. Mas comparar a corrupção do governo Mocaiber, aquele que tinha diversas comissões de licitações, e inúmeras facções; com o governo Rosinha só deve ser piada. Não dá nem pra saída. É só listar as obras realizadas de um e de outro. Só como aperitivo Rosinha entregou 5400 casas e está construindo mais 4400. E Mocaiber? É barbada!
ResponderExcluirVocê é um parvo. (Vá ao dicionário, que eu aguardo). Melhor, você é um cretino cínico, mais um baba ovo que nem coragem para assinar tem. Eu é que não vou perder tempo com vc. Vou discutir com seu dono. Gostas de aperitivo então, engole: entregou 5 mil casas, tendo prometido 10 mil casas, ao preço de 120 mil cada uma, entregou, quando foi governadora, as pontes de Campos e São Fidélis inacabadas e não pagas. É o reino rosa da corrupção. Chega de vc, zé boquinha.
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