Palavras ao Cadáver
Vejo-te os pés calejados
e me pergunto onde andaste,
quantos caminhos pisaste
em busca de uma ilusão.
Mas o mundo foi mesquinho,
teus caminhos se estreitaram
e o chão que teus pés pisaram
foi todo pisado em vão.
Vejo-te as mãos e imagino
que bateram, trabalharam
e o quanto, talvez, vibraram
em mil carícias de amor.
Mas hoje estão encharcadas
de formol e de protesto,
num triste e último gesto
de desespero e de dor.
Vejo-te o peito rasgado
e penso que, lá no fundo,
quanto desejo profundo
em teu coração brotou.
Vejo-te os olhos em busca
de um ponto que não se alcança,
guardando a imensa esperança
de algo que não chegou.
Se alguém um dia te disse
que o mundo é feito de flores...
Mentira! Só dissabores
o homem pode viver.
E a ordem da vida é unir-se
à multidão enganada
que corre em busca do nada,
que vive para morrer.
Cadáver, amigo estranho,
agora ensinas a gente
a ver mais profundamente
o que a vida nos mostrar.
E se há justiça, de fato,
podes crer - eu não te iludo -
que a morte te dará tudo
que a vida não soube dar...
Antonio Roberto Fernandes
Faculdade de Medicina de Campos (Março, 1969)
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