sábado, novembro 02, 2013

DIA DE FINADOS

Dia de Finados. Uma poesia feita pelo, então, primeiro anista de Medicina, Antonio Roberto Fernandes, que registra sua impressão de poeta, numa aula de anatomia. Confira:

  • Palavras ao Cadáver

    Vejo-te os pés calejados
    e me pergunto onde andaste,
    quantos caminhos pisaste
    em busca de uma ilusão.
    Mas o mundo foi mesquinho,
    teus caminhos se estreitaram
    e o chão que teus pés pisaram
    foi todo pisado em vão.

    Vejo-te as mãos e imagino
    que bateram, trabalharam
    e o quanto, talvez, vibraram
    em mil carícias de amor.
    Mas hoje estão encharcadas
    de formol e de protesto,
    num triste e último gesto
    de desespero e de dor.

    Vejo-te o peito rasgado
    e penso que, lá no fundo,
    quanto desejo profundo
    em teu coração brotou.
    Vejo-te os olhos em busca
    de um ponto que não se alcança,
    guardando a imensa esperança
    de algo que não chegou.

    Se alguém um dia te disse
    que o mundo é feito de flores...
    Mentira! Só dissabores
    o homem pode viver.
    E a ordem da vida é unir-se
    à multidão enganada
    que corre em busca do nada,
    que vive para morrer.

    Cadáver, amigo estranho,
    agora ensinas a gente
    a ver mais profundamente
    o que a vida nos mostrar.
    E se há justiça, de fato,
    podes crer - eu não te iludo -
    que a morte te dará tudo
    que a vida não soube dar...

    Antonio Roberto Fernandes
    Faculdade de Medicina de Campos (Março, 1969)

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