(Helena Aragão)
RIO - Nasceu em Campos. Fugiu para o Rio em trem cargueiro. Envolveu-se com a malandragem do Centro. Compôs melodias belas, marchas politizadas, sambas irreverentes — muitos dos quais você possivelmente assobia sem nem saber que são dele. Fez sucesso nas vozes de Francisco Alves, Aracy de Almeida, Moreira da Silva, João Gilberto, Paulinho da Viola. Envolveu-se numa “polêmica” com Noel Rosa (leia mais no quadro nesta página). Morreu na contramão, sem atrapalhar o tráfego, mas também sem a atenção que merecia.
Wilson Baptista veio ao mundo em 3 de julho de 1913 (faria cem anos nesta quarta, portanto). Deixou a vida boêmia de que tanto gostava no dia 7 do mesmo mês, em 1968. Não falta motivo para relembrar o compositor (o que será feito em rodas de samba na Livraria Folha Seca e no Trapiche Gamboa, no dia do centenário). Mas o risco de as datas passarem em branco seria real não fosse o empenho de Rodrigo Alzuguir em mostrar que o sambista merece um lugar de destaque na história da música popular brasileira.
O pesquisador lança agora o “Cancioneiro comentado”, que traz 105 partituras (cujos títulos são grafados com uma fonte baseada na caligrafia do sambista). E está nos finalmentes da biografia, que sai até outubro, pela Casa da Palavra.
Além disso, criou um blog e uma fanpage no Facebook. E colabora com o site do Instituto Moreira Salles, que promoveu no ano passado um show com Monarco e Nelson Sargento cantando o disco “Polêmica” (veja a íntegra aqui), com músicas de Baptista e Noel, e vai dedicar programas de rádio e posts ao compositor nesta semana.
A história de amor com a obra de Baptista começou no fim do século XX, quando o designer (engenheiro por formação) se envolveu com a criação visual do disco “Ganha-se pouco, mas é divertido”, que Cristina Buarque dedicou ao compositor no ano 2000.
— O Hermínio (Bello de Carvalho) sugeriu e resolveu produzir o disco, e aí comecei a garimpar — lembra Cristina. — Fomos recuperando gravações de Aracy, Déo... Quando vi tinha 50 músicas e queria todas no disco, então comecei a distribuir para os amigos escolherem.
Ali Rodrigo Alzuguir ganhou uma fita. E não parou mais. Passou a entrevistar todo mundo que conviveu com o sambista. E a descobrir inéditas. O passo seguinte foi montar, em 2010, o espetáculo “O samba carioca de Wilson Baptista” (que ganha nova temporada a partir de 27 de julho, no Casarão Ameno Resedá). Em 2011, o disco homônimo contou com o registro da peça-show e gravações de Mart’nália, Céu, Roberto Silva e outros.
— Mesmo com mais de 500 sambas, ele ficou marcado como vilão de Noel Rosa. Até uns anos atrás, quando eu falava em Wilson, as pessoas achavam que era o das Neves ou o Moreira.
Na apresentação do cancioneiro, Sérgio Cabral faz até um mea-culpa, dizendo que se limitou a falar da polêmica quando entrevistou Baptista. Miopia comum à época, ainda mais em se tratando de uma figura inconstante como o sambista (“o pior inimigo de si mesmo”, segundo Rodrigo Alzuguir). Mário Lago chegou a defini-lo como “alma de cão de mistura com um compositor de gênio”. Mas Paulinho da Viola reverteu um pouco o jogo, ao declarar na TV que adorava Baptista — além de gravar várias, como “Meu mundo é hoje” (“Eu sou assim/quem quiser gostar de mim...”), talvez a letra que melhor retrate sua personalidade.
— O que eu notava era que os compositores “de família” viam ele como um amigo de marginais e até de traficantes — lembra Cabral.
Alzuguir lamenta que Baptista tenha morrido antes de um momento de revalorização do samba.
— Nos seus últimos anos de vida, o Brasil estava indo para o lado do bolero, da bossa. Nelson Cavaquinho e Cartola tiveram nova chance um pouco depois da morte dele, graças ao Zicartola, ao Opinião. Esses caras são lembrados, mas nos anos 1940 o Wilson fazia mais sucesso. Nossa história musical é mal contada.
Por isso, ele acredita que, dos projetos que realizou até agora, o cancioneiro é o que mais deixaria Baptista feliz. É bem verdade que, a partir do disco de Cristina (passando pelo espetáculo “O samba é minha nobreza”, de 2002), várias pérolas do compositor foram se incorporando ao repertório da geração da Lapa (Pedro Miranda, Teresa Cristina e outros). Mas a compilação de partituras pode dar novo impulso à presença de Baptista nas rodas.
— Quando preciso montar repertório de show, o Wilson brilha, porque tem samba sobre tudo! Ele era um cronista, tem vários personagens divertidos — observa Cabral.
Cristina lembra de um outro aspecto inovador do sambista do qual o irmão da cantora, Chico, foi sucessor:
— Ao compor, ele conseguia falar com a alma feminina. Conseguia reproduzir a resposta das mulheres para as barbaridades dos homens.
Alzuguir lembra no perfil publicado no cancioneiro que, se Baptista é o autor do hino machista “Emilia” (“Quero uma mulher que saiba passar e cozinhar...”), as letras sobre independência feminina são várias, como “Boca de siri” (“Se encontrar o meu moreno por aí/ faça-me o obséquio/boca de siri”) e “Mundo às avessas” (“Ele que faz o feijão/A mulher é que comanda o pelotão”).
O compositor teve três filhos com companheiras diferentes, mas acabou a vida só. Nas letras de sambas, disse que morreria “sem levar arrependimento” e que “sambista grande não deve desaparecer”. No ano do centenário, a atenção a seu legado só faz crescer.
Fonte: O Globo.
Salve os GRANDES que nos honram o ¨ser campista¨!
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