terça-feira, junho 07, 2016

OPINIÃO

O MENINO DE 10 ANOS MORTO EM SÃO PAULO

Uma significativa parcela da sociedade brasileira considerou uma ação profilática a execução(?) de um menino de 10 anos, que havia furtado um carro, em São Paulo, numa impressionante troca de tiros com a Policia, que perseguia o veículo. "Era bandido", fizeram coro os açodados.

A delegada responsável pela investigação, minimizou: "o carro era insufilmado, não dava pra ver quem estava dentro". Ora doutora, esse não era mais um motivo para evitar o tiroteio? Podia haver uma família refém. Policiais não são treinados para isso?

Ora, direis, querias, então, que morresse o policial? À este argumento raso e estúpido, respondo que não. O que eu queria era que ninguém morresse. Chega de mortes inúteis, seja de quem for. Os números, nas metrópoles brasileiras, de cidadãos que tombam, diariamente, é alarmante, civis e militares. Consegue ser maior que em paises que enfrentam guerras convencionais.

Quero uma sociedade solidária, capaz de compreender que aquele menino era filho de um casal desajustado - o pai cumpre prisão por tráfico e a mãe vive situação semelhante. O que esperar de uma criança que cresce nos monturos da cidade, sozinha? Que desde cedo descobre que tem que brigar pra comer, que sua escola ensina o que ele não vai usar na vida futura, que, nas vitrines estão desejos inalcançáveis e que, ninguém, a qualquer hora do dia, à qualquer título, lhe dirigiu palavras de afeto ou tenha lhe feito, voluntariamente, o menor afago.

Que esperar de um menino de 10 anos que foi doutrinado pelo submundo do crime e foi se dando conta que se quisesse sobreviver, teria que arriscar sua vida. Que os proprietários das coberturas da pirâmide social querem uma Polícia que defenda os ricos dos pobres e que sua ascensão social só tinha o estreito e tortuoso caminho da insubordinação armada.

É certo que, se um menino da mesma idade, morador de um condomínio bem resolvido, filho de pais que ocupam destacados postos no mercado de trabalho e, que por isso, passam o dia fora de casa, apanhasse o carro do pai e saisse em disparada pelas ruas centrais de uma grande cidade, seria uma peraltice, a ser corrigida por terapias e congêneres. Como já aconteceu, acontece e vai acontecer.

A sociedade olha com rigor hipócrita o endereço do infrator.

O menino de 10 anos, morto, num revide(?) da Polícia era da periferia paupérrima de São Paulo - são iguais as periferias do Brasil e do mundo - lugares onde deveriam chegar as políticas públicas, capazes de construir escolas de qualidade, creches acolhedoras e aparatos sociais indispensáveis ao aprimoramento da cidadania.

Mas o dinheiro público que deveria custear a edificação do homem novo, está em contas de paraísos fiscais, enquanto os bandidos bem relacionados, assistem, horrorizados, a notícia da morte do menino, com suas tornezeleiras eletrônicas, cochilando, em prisão domiciliar, em frente ao portentoso home theater.

Esses crápulas sabem, melhor do que ninguém, que há meninos miseráveis e soltos nas ruas porque há os que têm tudo e muito mais.

Mas a opinião pública prefere "abafar o caso". É mais cômodo e poucos são os que choram a morte deste menino. Além do mais, ele, com 10 anos, já tinha longa lista de antecedentes criminais. Estava fadado ao fracasso como "homem de bem".

Esta cena inominável acaba de acontecer na maior cidade do país. E percebe-se que há um silêncio obsequioso. Os tartufos de sempre vão escolher um lado para apresentar suas armas de defesa. Rasos, darão a entender que quem defende o menino, é contra o policial e vice-versa. O que está em discussão é o fato em si; é a terrível constatação que, aos 10 anos de idade, meninos já são abatidos a tiros, num tempo de inimagináveis avanços tecnológicos, quando o razoável é que estivessem guardados dentro de uma sala de aula.

Convenhamos, há uma ordem fora de alguma coisa.

Olho para trás e vejo que já cruzamos os umbrais do século 21 e que nosso modelo de sociedade ainda é o mais atrasado, o mais necrosado,  seletivo e egoista, à despeito de frequentarmos, com regularidade e disciplina, as igrejas. Não somos um corpo social uno; ainda, miseravelmente, somos grupos sociais estanques, apartados pelo dinheiro que temos na conta. Signatários de um código pequeno burguês de moral. Conveniente.

A bala que matou o menino de 10 anos, parece que não feriu mais ninguém, a vida segue e um episódio ainda mais cruel virá para diluir este drama em fumaça.

Somos senhores de nossas casas e nossos guardados, nossos irmãos são os consangüínios e o que acontece fora dos muros de nossos condomínios não nos move. Evoluimos milímetros na escala humana, na acepção da palavra. Avançamos céleres para a solidão, ao invés de marcharmos para estágios mais largos da solidariedade geral, ampla e irrestrita.

Sobre nossa sociedade fashion, high tec, descolada, que chora diante das novelas da TV, fica valendo aquela definição do velho Marx, na segunda metade do século 19, sobre as classes sociais: em verdade, ou somos explorados ou exploradores.

O resto é secundário. Até que a vítima seja um dos nossos.

FLF

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